Hoje, dia 16 de março, é o “Dia Nacional da Conscientização Climática”. Quantos significados a palavra conscientização tem nesse contexto? Quantas cascas essa cebola tem para descascar?
Um primeiro diz respeito à informação: o aquecimento global é real e as emissões humanas de gases de efeito estufa são as maiores responsáveis. Consciência, nesse primeiro plano, é superar o Negacionismo 1.0, aquele com um ego tão deformado que dispensa as evidências e a consistência dos argumentos. Prevaleceu por muito tempo confrontando a ciência, o conhecimento dos povos tradicionais e das populações observando nossa casa, a Terra.
A segunda casca da cebola é um pouquinho mais grossa: o Negacionismo 2.0 . É aquele que confrontado com a ciência , a pressão dos dois bilhões de humanos jovens que estarão vivos no fim do século e já estão destinados a verem um planeta diferente (mesmo que consigamos deter o aumento da temperatura média do planeta em 2 graus célsius), responde: OK , o problema existe, vamos ver o que fazer e , até , já estou fazendo um pouquinho , fugindo à realidade de que já estamos décadas atrasados nesse esforço civilizacional e que o enorme desafio é urgente, muito grave e muito complexo, envolvendo bem mais do que a mais acelerada transição tecnológica da história, mas também a macroeconomia global, a desigualdade em todas as suas formas, a vida nas cidades, a sociabilidade humana.
A terceira casca da cebola é o Negacionismo 3.0. Admite a profundidade e complexidade dessa transformação na história, mas se coloca em um degrau diferente da imensa maioria da população e diz: mas não vamos contar isso às pessoas, não vamos provocar medo, o medo paralisa, temos de contar só boas histórias para não assustar, etc etc.
Não defendo o catastrofismo como forma de comunicação e nem acredito nele como cientista social. Pelo contrário, considero que se o desafio for enfrentado pela humanidade não só ainda podemos evitar os piores cenários das mudanças climáticas como a coragem e as mudanças necessárias, em si, a mim parecem conduzir a um “mundo melhor”. Muito melhor.
Mas não acho que processo tão transformador possa ocorrer com base em visão tão discriminadora: uns podem “ver” a realidade como ela é mas para a imensa maioria devemos contar uma história adoçada, que sonega o conhecimento de seus riscos mais elevados, que minimiza o significado das escolhas a serem feitas nos próximos anos e poucas décadas para o futuro da humanidade. Todos são pessoas e ninguém deve ser tratado como crianças ou como ovelhas.
Estamos mais perto do miolo da cebola, mas, como tudo que é complexo, descascar é infinito. Afinal, não sabemos ainda o que é consciência, o que obriga a tratar com carinho o significado de “conscientização” para evitar a confusão com “doutrinação”. Trabalham no tema filósofos, físicos, matemáticos e neurocientistas.
Antônio Damásio, o grande neurocientista, associa consciência a tempo. Somos tão mais conscientes quanto mais entendemos a realidade, inclusive a nós mesmos, com base na história (social, cultural, pessoal etc ) e no futuro (nossos desejos, sonhos, aspirações, individuais e coletivos).
Consciência climática envolve o entendimento que as grandes escolhas que a história colocou à nossa frente nesse século XXI envolvem a própria construção (permanente) do humano e da humanidade: 1. O problema é global, portanto, só pode ser enfrentado globalmente. Mas o Sapiens sempre foi tribal. Agora teremos de formar uma tribo de todas as tribos, mas com infinita diversidade em infinitas combinações, como ensinou Spock em Star Trek e 2. O problema é intertemporal. Cada geração de Sapiens viveu sua vida e deixou às gerações que vinham o mesmo desafio. Agora é a hora de um antigo provérbio: Uma sociedade cresce quando homens (e mulheres, estamos no século XXI) plantam árvores das quais nunca verão a sombra.
Uma nova consciência da espécie. Um grande momento para viver a história plenamente. É falsa a ideia de que o humano não muda. O que define o humano é a mudança. Foi assim na revolução cognitiva, no surgimento das cidades, das civilizações, do Renascimento, do Iluminismo. Será assim agora, ou não. A esperança é verde e faz parte da consciência.
Sérgio Besserman é economista, ambientalista, Líder da Realidade Climática e Coordenador Estratégico do Climate Reality Brasil.
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