Mães e Lideranças da Realidade Climática relatam experiências da maternidade durante a crise climática e a esperança para mudar essa realidade
Nesse Dia das Mães, 9 de maio, o Climate Reality Brasil vai apresentar a visão das mães sobre a perspectiva da crise climática, onde necessitamos de ações urgentes para as próximas gerações. Por outro lado, também queremos falar da esperança que nasce e se mantém a partir dessas atitudes em prol do combate a mudança do clima.
De acordo com estudo da ONU, as mulheres ao redor do mundo são as mais afetadas pelas mudanças climáticas (80%). A pesquisa "Primeiríssima Infância: Creche" aponta que as mães são responsáveis pelos cuidados aos filhos em 93% dos casos. Porém, desde meados do século 20 a população mundial tem um quesito a mais para se preocupar: as mudanças climáticas, que atingem e mudam a vida milhares de pessoas ao redor do mundo, diariamente.
O discurso climático saiu do meio científico e agora também faz parte do social. A pesquisa “Mudanças Climáticas na percepção dos brasileiros”, realizada pelo Ibope, mostra que grande parte dos brasileiros (92%) sabem que o aquecimento global está acontecendo e é principalmente um efeito das ações humanas (77%).
Mas há esperança para mudar a possível situação que está por vir e a realidade para as gerações futuras. O caminho está na conscientização e, acima de tudo, nas ações.
Por isso, o Climate Reality Project Brasil perguntou as mães da rede de lideranças:
Como é ser mãe no atual cenário climático? E como é ser mãe sabendo que, como Líder da Realidade Climática, você faz parte da diferença que busca por frear os avanços dessa crise?
E as mães que buscam essa transformação responderam:
Anna Maria Carrapito
"Como mãe, gostaria que, não só a minha filha, mas que a geração atual e vindoura possam ter o direito de viver de forma sustentável, em todas as áreas: social, ambiental e econômica (de acordo com o princípio do Tripé da Sustentabilidade - Triple Bottom Line). Essa é a causa pela qual dedico-me; e sei que, se cada um fizer um pouquinho, dará certo, se Deus quiser!"
Isadora Gran
"Meu nome é Isadora, tenho 24 anos e sou Líder da Realidade Climática. Sou também mãe do Cauê, de quase dois anos. Meu filho foi gestado, nasceu e está crescendo dentro do Climate Reality Brasil, participou do 24 Horas de Realidade com 5 meses e vira e mexe está nas atividades dando seu oi para a câmera.
Dizem que a ignorância é uma benção. Realmente, imagino que a vida seja mais leve para quem finge não enxergar o que está acontecendo com a humanidade. Não que eu saiba de tudo, longe disso, mas não há como negar o projeto desastroso de civilização que seguimos. Um projeto de 500 anos no Brasil, fundado em desigualdades profundas de gênero, raça e classe. E que hoje tem como principais expressões o povo morrendo de fome, de vírus, de tiro e de desastres climáticos que serão cada vez mais frequentes. Diante desse cenário e de constantes ataques aos direitos já conquistados e avanços que parecem lentos demais, as vezes me bate um desânimo e parece mais difícil achar dentro de mim a esperança necessária para seguir lutando pela sociedade que eu almejo e acredito possível.
A ignorância pode até ser uma benção, mas com certeza, não é o caminho para a mudança. Criar um menino negro em uma favela da Zona Norte do Rio de Janeiro me dá principalmente medo. Mas é ele, também, minha principal e mais poderosa fonte de esperança. Nele, com ele e por ele. Em seu olhar doce e gargalhada despreocupada é onde eu encontro esperança de que a humanidade tem jeito, bondade e muito amor para se reconstruir.
Essa esperança se potencializa na troca e construção coletiva com outras pessoas que também almejam um futuro diferente. Uma sociedade mais justa, sustentável e com mais amor. Pessoas como as que encontro na rede do Climate Reality Brasil, que doam seu tempo e energia para a construção desse futuro possível. Futuro nosso, mas principalmente, do Cauê e das futuras gerações. Porque eu sei que nenhuma ação individual é capaz de cumprir com o tamanho da missão que a gente tem como humanidade para garantir nosso futuro e de outras formas de vida nesse planeta. Só avançamos se juntos.
A maternidade é um campo fundamental de construção desse futuro. Mulheres que dedicam partes imensas de si para educar futuras gerações que cuidarão também de outras no ciclo da vida. No entanto, a maternidade em sua maioria é, infelizmente, uma tarefa solitária. Mães que carregam mundos inteiros nas costas. Sem pai presente, sem creche, sem folga, sem licença e com muita culpabilização da sociedade. Nos quilombos e aldeias, a educação das crianças é responsabilidade de toda a comunidade. Que possamos ter um olhar mais empático com as mães e nossas crianças, políticas públicas de apoio a maternidade, mais rede de apoio e menos culpa!
Nesse dia das mães, desejo dias melhores para todos nós. Que possamos ser as melhores mães possíveis dentro de nossas realidades, com apoio e amor. E que encontremos umas nas outras e em nossos filhos a esperança necessária para seguir lutando pela construção de um futuro diferente."
Roberta Giudice
"Como ambientalista, sempre acreditei que um dia a conservação ambiental seria tão intrínseca à nossa vida que não pensaríamos nela como uma questão paralela, mas completa e intimamente ligada a todos os nossos atos. Nesse dia, estaríamos seguros, o planeta estaria seguro, as futuras gerações estariam seguras.
Quando me tornei mãe, essa e outras certeza de dias melhores começaram a se abalar e percebi que, na verdade, se nossa sociedade, empresas e governos não mudarem, esse dia sustentável, biodiverso e com emissões de carbono zero nunca chegará.
Mas como ser mãe sem esperança? Impossível! Se o futuro do meu filho e de toda sua geração depende de uma mudança estrutural, essa mudança está em nós, mães.
Mais do ter consciência ambiental, é preciso ensinar a buscar a mudança que queremos, pressionar empresas, governos, países a adotarem meios de produção sustentável, a não poluírem, a conservarem florestas, rios, peixes, animais, com políticas ambientais eficientes.
Com todo amor, ensino meu filho a ter esperança em um mundo mais sustentável e acolhedor. Mas a esperança que é ação. Há riscos, mas agir é a única forma de concretizar aquilo que esperançamos."
Renata Moraes
Vânia Velloso
"Hoje é quinta feira, 6 de maio. E estamos mais um ano sem chances de celebrar o instituído Dia das Mães. Mesmo sendo comercial, é uma data que famílias e amigos se encontram para almoço prolongado tarde a fora. Na minha, era sempre cozido, feijoada ou algo com camarão. As comidas prediletas de minha mãe de 91 anos, hoje em uma casa especial, no isolamento. Aqui diante do papel tela penso em minha mãe e eu.
Qual o legado que ela me deixou?
Certamente, não foi sobre sustentabilidade ou as mudanças climáticas... Assuntos que nem de longe ou de perto estavam em sua pauta nos anos 50, 60 e 70. Ela foi uma mulher onde as funções - mãe e esposa -, superaram e abafaram em muito o lado pessoal e uma reflexão sobre ser cidadã local e do mundo. Não estava no roteiro esse tipo de liberdade para as mulheres-mães da geração da minha mãe e de amigas afins. Poucas esposas arriscaram na busca de um lugar para as mulheres, além de mães mulheres do lar naquela época. Minha mãe deixou o trabalho na ONU- IRO pelo casamento. E, eu penso que se meu pai tivesse uma cabeça aberta e desse foça para ela continuar, certamente, teria sido uma mulher que viveria de perto as questões do planeta. Ela tinha um ótimo radar para sacar as coisas da vida, pessoas e as entrelinhas. Foi uma das responsáveis, bem novinha, em encontrar lugares de moradia e trabalho para refugiados da Segunda Guerra. Falava inglês e francês e partiu para um casamento bem estruturado. Teve uma vida de fartura e condições de encaminhar as filhas para boas escolas privadas, cursos de línguas, procura e consumo de cultura de época como: teatros, balés e óperas no Municipal, cinemas nada de vanguarda (ela me fez amar os filmes de todos os matizes) e lanches na bela Colombo do Centro do Rio ou Copacabana. Além de viagens pelo país, nas Américas e na Europa. Meu presente de quinze anos foi viajar com os meus pais e primos, durante um mês, por uma Europa, onde meu pai precisava trabalhar. Foi a primeira vez que eu senti o tamanho do mundo, fora do meu mundinho de zona sul e arredores. Não tive uma educação de menina ou uma formação mais jovem, onde as questões sociais eram conversadas em casa. Eu creio que o legado está no valor do trabalho, do estudo, do contato com as artes, na literatura e nas viagens para definir quem sou hoje e como sou aberta para mudar. Vivi muitas experiências e descobertas socioambientais, desde os anos 80. O clima na família materna era fundamentado na ética, no respeito e no afeto. Na paterna idem e, somado a tudo isso, uma vivência de Brasil rural - da força da terra e do trabalho diário.
E, com este legado, eu penso que criei os meus 4 filhos. Um nos deixou na adolescência. E, me ensinou mais ainda, o valor do conhecimento. Estudar e ser curioso era bem tranquilo e delicioso. Eu estudava bem, mas percebi com ele e com meu marido que estudar mais, mais e mais pode proporcionar novas perspectivas de compreender qualquer contexto e as mudanças. Com trabalho na Amazônia e outros biomas, o socioambiental e as questões do clima entraram na minha pele sem volta para superfície. Os outros três filhos têm cuidados e conexões diversas com o ambiente, o clima, as pessoas de suas relações e outros seres que merecem chances melhores como eles sempre tiveram! Todos três possuem um sentimento de justiça e são bem críticos conosco, com o país e as crises sem fim - individuais, políticas ou ambientais. Experimentam círculos de convívio mais diversos do que o meu, e trazem estas diferenças para a conversa em família. Óbvio! Encontros regados de conflitos e deliciosas discussões na hora da boa comida.
Bem, nós dois resolvemos como casal, escolher escolas com espíritos livres e construção da cidadania. Uma, localizada em um Parque e a outra, católica. Porém, com padres, professores filósofos e educadores de fato, ambas conectadas com o entorno. Colégios especiais, onde os conflitos e soluções sociais, familiares e pessoais estavam em sala de aula todo tempo e ainda, em todos os espaços de convívio e nas vizinhanças. O oposto de minhas escolas: a primeira e durante anos, católica, bem severa e depois, uma laica. Os filhos são completamente diferentes dessa mãe aqui - criada na República de Ipanema de frente para o mar e de costas para o Brasil. Minha mudança foi mais radical da infância para fase jovem e adulta, através de um movimento gradual e sofrido para perceber que havia um mundo muito maior que o meu. Complexo, cheio de diferenças, desigualdades e oportunidades para alguns. Como diz minha filha, nós podemos escolher e temos um acesso socioeconômico enorme para fazer acontecer.
E de volta! Como o clima e a crise climática entraram na vida de meus filhos?
Além do acima relatado, deve ser por força de trajetórias dos pais no mundo social e ambiental por 3 décadas e, daí, os filhos absorveram como foi possível entre os percalços da vida e sem muita imposição. Eu, aqui escrevendo, olho para os meus botões e teclas, e sei que fui liberal em momentos que não eram convenientes. Talvez, como um contraponto à minha família de origem e escolas. Liberdade é fundamental para caminhar no mundo com saberes instigadores - o sensível e o científico - sem esquecer do compromisso com algumas regras e rotinas. Essas são fundamentais para nós usarmos bem as escolhas e oportunidades de sermos “pseudo-livres” (eu aprendi que nem existe o livre-arbítrio como acreditamos) por estarmos conectados como humanidade - boa ou perversa -, e numa única Terra.”
Fontes: UN Women Watch / Fact Sheet Women, Gender Equality and Climate Change: https://www.un.org/womenwatch/feature/climate_change/downloads/Women_and_Climate_Change_Factsheet.pdf
Fundação Maria Cecilia Souto Vidal / Primeiríssima Infância: Creche
Percepção Climática / Mudanças climáticas na percepção dos brasileiros
Comments